No ambiente industrial B2B, definir o preço de venda não é apenas uma questão de markup sobre o custo. Pelo contrário: é uma decisão estratégica que pode comprometer toda a lógica de produção, distribuição e posicionamento da empresa no mercado. Nesse contexto, a precificação reversa (ou target pricing) se apresenta como uma abordagem robusta para alinhar o preço ao valor percebido e à realidade competitiva dos canais de venda.
Este artigo discute os fundamentos da precificação reversa, suas vantagens e limitações, e como ela pode ser aplicada de forma estruturada no setor industrial — especialmente em pequenas e médias indústrias que lidam com múltiplos canais, margens comprimidas e decisões territoriais complexas.
🧩 Da fábrica ao cliente: por que a lógica tradicional falha
A prática mais comum no B2B industrial é a precificação baseada em custo (cost-plus): parte-se do custo unitário, aplica-se uma margem desejada, e define-se o preço de venda. Essa lógica funciona bem em mercados pouco competitivos ou com forte diferenciação, mas tende a falhar quando:
- O mercado é altamente sensível ao preço;
- Os canais de venda impõem margens próprias;
- Há múltiplos intermediários (distribuidores, varejistas, food service etc.);
- O cliente final tem forte poder de barganha.
Nesse cenário, o preço não pode ser determinado exclusivamente pela estrutura interna da empresa. Ele precisa considerar a cadeia como um todo — e é justamente aí que entra a precificação reversa.
🔄 O que é precificação reversa?
A precificação reversa parte do preço aceitável pelo mercado ou cliente final, e retroage na cadeia de valor para definir quanto a empresa pode capturar como receita líquida. A pergunta-chave muda de:
“Quanto eu quero ganhar sobre meu custo?”
Para:
“Quanto posso ganhar sem ultrapassar o teto de preço que o mercado comporta?”
A lógica se inverte. A empresa precisa então reorganizar seus custos, processos, embalagens e canais para operar com viabilidade dentro desse valor-alvo.
🧠 Por que aplicar precificação reversa no B2B?
Em mercados industriais B2B, a precificação reversa oferece três grandes vantagens:
1. Conexão com o valor percebido
O preço deixa de ser arbitrário e passa a refletir o valor que o canal ou cliente está disposto a pagar, considerando suas margens e condições operacionais.
2. Adequação ao canal de venda
Cada canal (varejo, food service, distribuidor, cliente corporativo) tem estruturas de custo, elasticidade e expectativas diferentes. A precificação reversa permite calcular quanto sobra para a indústria após as margens dos intermediários.
3. Viabilidade operacional real
Ao identificar o “preço de venda máximo possível”, a empresa pode analisar sua capacidade de produção, escala mínima viável e ponto de equilíbrio com maior realismo.
🧮 Como aplicar a precificação reversa na prática?
A seguir, um passo a passo simplificado para indústrias que queiram aplicar esse modelo:
Passo 1 – Mapeie o preço final de mercado
Pesquise o preço pago pelo cliente final nos diferentes canais. Isso inclui valores praticados em pontos de venda, cardápios, distribuidores, plataformas digitais etc.
Passo 2 – Identifique os elos da cadeia
Liste todos os intermediários envolvidos (distribuidores, operadores logísticos, representantes comerciais, pontos de venda) e estime suas margens médias.
Passo 3 – Calcule o valor-alvo da indústria
Subtraia todas as margens da cadeia do preço final. O valor restante é o teto de receita bruta possível para a indústria.
Passo 4 – Modele a estrutura de custo
Avalie se é possível operar com o valor disponível, considerando matéria-prima, embalagem, logística, impostos e margem líquida desejada. Se não for viável, será necessário:
- Redesenhar o produto ou embalagem;
- Negociar insumos;
- Alterar o canal de entrada;
- Buscar escala produtiva.
Passo 5 – Simule cenários comparativos
A precificação reversa não serve apenas para saber “se vale a pena”, mas também qual canal vale mais a pena, dado o perfil da operação e do território.
💡 Simulação prática – Canal 1: Pequeno varejo com distribuidor
Vamos aplicar a lógica reversa com um exemplo simples: um produto genérico que precisa chegar ao consumidor final por R$ 10,00.
Neste canal, há dois intermediários:
- Distribuidor, com markup de 30%;
- Pequeno varejo, com markup de 60%.
🔁 Fórmula reversa aplicada:
Preço final ÷ (1 + markup varejo) ÷ (1 + markup distribuidor)
→ R$ 10,00 ÷ 1,6 ÷ 1,3 ≈ R$ 4,81
✅ Resultado:
A indústria pode cobrar no máximo R$ 4,81 por unidade se quiser manter o produto a R$ 10,00 na gôndola, respeitando as margens dos intermediários.
Se o custo de produção for maior que esse valor, a empresa não consegue operar com viabilidade nesse canal — a não ser que aumente a escala, otimize custos ou reestruture a rota comercial.
📌 Considerações finais
A precificação reversa não é apenas uma técnica. É uma mudança de mentalidade. Ela exige que a indústria deixe de olhar para dentro (custos e desejos de margem) e comece a olhar para fora (mercado, canais, cliente final).
Aplicar essa abordagem exige dados, simulações e inteligência territorial. Mas o retorno é claro: decisões mais realistas, margens sustentáveis e escolha dos canais certos — com base em evidências, e não em intuição.
Em tempos de alta competição e margens pressionadas, quem não conhece seus tetos de preço… opera no escuro.
Deixe um comentário